terça-feira, 2 de janeiro de 2018

Do amor brando

Alguns sentimentos são mesmo como montar na cauda de um meteoro
Como se queimar de febre num primeiro beijo que passa e te questiona
Se agi errado desde o começo ou se por outra oportunidade imploro?
Ou seria melhor ficar numa estrela estática, eterna, que não emociona?
Depois de uma longa conversa, ele chega em casa e pensa: não é justo
Ter liquefazido e entregue o dormente coração por mais uma vez
Para vê-lo novamente reservado na prateleira de um laboratório angusto
Ter beijado os doces olhos, ainda vermelhos, com pouca sensatez
Quando esses continuam a mirar para um caminho ainda definido, robusto
Depois daquela conversa, ele perde as palavras dadas de indiscernimento
Quer recolher o pouco que doou, esquecer os versos e o amor brando
Mesmo que permanecer febril tenha sido o seu comprometimento
Deu um pouco a volta e reivindicou o lugar que já vem alimentando
Mas sabe: é enorme o espaço sideral e quente a cauda desse meteoro

Nota: odiei escrever esses.

quinta-feira, 28 de dezembro de 2017

Dois olhos, dois olhares

Com a maior atenção
Você olhou pra mim
E de pronto perguntou 
Porque tá olhando o celular só com um olho
E no momento eu me evadi
Não quis dar qualquer razão
Mas agora eu penso
São poucas as pessoas
Com tal poder de observação
Veio hoje o pensamento
De que talvez tenhamos começado errado
Mas um amigo falou quase calado
Com seu usual poder de persuasão
Não existe começo, meio e fim
Ou certo e errado
E eu me convenci por inteiro
Questionando minha racionalidade
Certo que de você posso esperar algo
E que ainda quero sentir o seu cheiro
Dentro do meu coração derretido
Eu tô num estado febril
Passei o dia lembrando
Que podia ter te respondido
Romântico e viril
O fato é que tenho dois olhos
Gosto de pensar que um deles é atento
E que o outro nem tanto

Porque simplesmente apaixonado

domingo, 30 de julho de 2017

Ainda

Como se estivéssemos submersos
Juntos e segurando a respiração
Afogamos-nos num enorme deserto
De esquecimento, leveza, reparação
Nós passamos dias e dias pedindo
Um olhar da revelação

Eu sou eu, você, você
Mas ainda juntos
Mas ainda 

domingo, 11 de dezembro de 2016

Incógnita

Eu não sou religioso
Mas me sinto tão movido
Tenho vontade de rezar
Pelo tempo perdido

São os pequenos atrasos
As grandes negligências
É a dor que eu engasgo
É a falta de inteligência

E são as velas que acendemos
No meio duma tempestade
Porque ambos imaginemos
E se nem tudo for a Sua vontade

Não acharemos respostas
Para tão insólita equação
Só se quer desaparecer
Extirpar a dor do coração

E no corredor dum hospital
É a dor que temos à mão
No topo de uma estrela
É alto e pesado o coração

segunda-feira, 5 de dezembro de 2016

Por aqui estivemos

Nós andamos pelas ruas
Como se fôssemos realeza
Ainda não amanheceu
Você é sorriso, é tristeza

E quando todos dormem
Você sonha, sonha

Eu dou um passo na lua
Nós cruzamos os dedos
É um salto olímpico
Você cheio de medos

E quando todos dormem
Você sonha, sonha

E todas as coisas mudam
Assumem um ou outro formato
Nós vemos as fotografias
Mas o passado é um contrato

E quando todos dormem
Você sonha, sonha

Nossos cabelos ao vento
Depois nós percebemos
Que quando nada ia bem
Por aqui estivemos

quinta-feira, 3 de novembro de 2016

Fragmento

Cheguei e sentei na cadeira da sala de jantar descompromissado. Já estavam todos presentes.
- Que livro é esse que você anda lendo?
- Macunaíma. Secundei sem emoção.
- Quê? Mais-cu-na-Índia?!
Foram só risos.

Ave Maria

Diz minha vó que havia uma velhinha no interior que morava só. Só, mais um papagaio.
Tinha sempre o cuidado de aparar as asas do bicho para que não voasse e a deixasse sem companhia.
Entretanto, com certa idade, é comum esquecermos as coisas. Não deu outra então: o papagaio acabou fugindo.
A velha ficou triste, estava só. Ficou dias lembrando do bicho, do que ele falava e cantava.
Na verdade, era um papagaio silencioso. Mal falava e também mal cantava. Ela tinha-lhe ensinado, com muito esforço, a cantar ‘Ave Maria’ e era praticamente só isso que cantava.
Semanas passaram e a velhinha sentia mais falta do bicho. Pensava que retornaria a qualquer hora, por isso deixava sempre as janelas abertas.
Começou a tricotar, embora fosse uma atividade da qual não tinha qualquer expertise. Ia para a velha cadeira de balançar e tricotava por horas, sempre olhando as janelas. Naquele dia não foi diferente.
Fazia muito calor. A luz do sol entrava na sala de estar sem nenhuma cortesia. Uma luz branca que, de repente, tornou-se verde.
A velhinha estranhou. Viu a luz verde no chão sem entender muito e, em seguida, ouviu um farfalhado que parecia já conhecer.
Foi até a janela e viu o céu todo verde! Em seguida, ouviu várias vozes em harmonia que cantavam ‘Ave Maria’. Eram vários papagaios! Todos voando e cantando.
A velhinha assistiu ao espetáculo da janela e quando acabou voltou ao tricô. Cheia de idéias.